quarta-feira, 31 de março de 2010
de Almeida Garrett
Tu morreste por nós na cruz da afronta,
e o sangue derradeiro
derramaste do alto do madeiro,
Jesus, filho de Deus, Deus verdadeiro!
Aos crimes do homem não lançaste a conta,
inocente cordeiro,
quando foste no alto do madeiro
lavar, com sangue, o último e o primeiro.
E naquela hora o mundo foi mudado:
a antiga, frouxa luz
se apagou no Calvário ao pé da Cruz;
e agora é novo sol que reluz.
Por desiguais direitos, afrontosos
para o pobre que lida,
que trabalha, que sua pela vida,
andava a terra pelos reis regida.
Vãos sabedores, ricos poderosos
a tinham submetida
ao erro torpe que embrutece a vida
e que apaga a razão n'alma perdida.
Acabaram-se as leis dos reis da terra;
e esta só lei ficou:
"O Rei que está na Cruz nos libertou
E com seu sangue a todos igualou".
segunda-feira, 29 de março de 2010
Crónica de Frei Bento Domingues in Público 28/03/2010
Evangelho e cultura na Semana Santa
Frei Bento Domingues, o.p.
1.O cristianismo não nasceu in vitro, como resultado artificial de laboratório, nem caiu do céu como um meteorito. Para entender o sentido dos acontecimentos que a Semana Santa cristã celebra, é preciso recorrer aos textos do Novo Testamento. Estes, por sua vez, tiveram de recorrer a certas passagens do Antigo Testamento para descobrirem a significação do escândalo vivido pelos apóstolos perante a morte do seu Mestre. Sendo assim, o cristão não pode dispensar o conhecimento de toda a Bíblia, tida por mensagem divina em palavras humanas. Para afirmar a originalidade do Evangelho de Jesus Cristo – Evangelho do amor e da misericórdia – um teólogo gnóstico da Ásia Menor, Marcião (81-160), recusou o Antigo Testamento que, para ele, era obra de um Deus mau e vingativo. Com esta atitude, mostrava que não conseguia entender que a Bíblia fosse retrato de vários mundos e espelho da condição humana no que tem de melhor e de pior.
Hoje, quem olha só para as capas da Bíblia não se dá conta que está perante uma pequena biblioteca, muito variada sob todos os pontos de vista. Figuram nela, sobretudo no Antigo Testamento, os diferentes géneros literários correntes entre os povos do Próximo Oriente, especialmente entre os povos semitas, no primeiro milénio antes de Cristo. Os livros que a constituem foram escritos em várias línguas (hebraico, aramaico e grego), em vários países (Palestina, Egipto e Babilónia) e, tendo em conta os textos do Novo Testamento, durante mais de um milénio.
A diversidade que caracteriza o Antigo Testamento reflecte a realidade histórica dos sucessivos grupos humanos que nele se expressam. A ideia de um Israel protagonista de toda a história veterotestamentária é uma criação dos autores bíblicos. A variedade do Antigo Testamento não se deve só às mudanças que se deram no decorrer do tempo, entre os começos dos dois reinos hebraicos e o judaísmo dos últimos séculos da era pré-cristã. Muitos dos seus textos representam as posições de grupos particulares que se expressam ora de forma conciliadora, ora de forma polémica. A diversidade manifesta-se de maneira flagrante, no campo religioso e, em concreto, na teologia propriamente dita. No Antigo Testamento há diversas perspectivas religiosas e diferentes concepções de Deus que até estiveram
3. Em Portugal, desde algumas décadas, foi desenvolvido um certo esforço de iniciação à leitura da Bíblia. No entanto, o contacto mais frequente com essa literatura acontece nos textos seleccionados para a celebração da Missa. Essa escolha é exagerada para um tempo tão reduzido dedicado a cada celebração. Por outro lado, poucas são as boas escolas de leitores. A ponte entre elas e as experiências das comunidades – tarefa da homilia – raramente atinge o seu objectivo.
Fui, recentemente, envolvido numa comovente experiência bíblica. Em Barcelos, o pároco de Santa Maria Maior, Abílio Cardoso – conhecido pelas suas iniciativas pastorais inteligentes e imaginativas – teve mais uma ideia, não só inspirada, mas inspiradora. No ano passado, a Bíblia foi tratada, como se sabe, por José Saramago com grande alarido nos meios de comunicação. O Padre Abílio Cardoso com os seus colaboradores, em vez de alimentar polémicas, aproveitou a ocasião para estudar o modo de libertar a Palavra divina presa ao passado, aos “lugares sagrados” e de levar a Bíblia – voz de muitas vozes – para a rua, para os chamados espaços profanos, onde ela não tem só algo de essencial a dizer, mas também muito que ouvir dos católicos não praticantes, dos agnósticos e dos ateus.
O programa, servido por um marketing nada agressivo, muito simples e eficaz, desenvolveu-se durante uma semana inteira: de
Em muitos lugares de Portugal, na Semana Santa, as ruas e as praças eram percorridas por manifestações impressionantes. Precisavam e precisam, certamente, de uma recriação que exprima, de novo, o Evangelho da esperança. A sede de espiritualidade, seja em antigas ou em novas formas culturais, não desapareceu.
Tanta música, tanta poesia, tantas formas de arte que nos podem levar às fronteiras do inexprimível e que, por receio de velhos fantasmas, insistimos em ocultar ou reprimir. No entanto, aí vive a matriz mais sólida e profunda da nossa cultura.
(1) Cf. Francolino Gonçalves, O messianismo no Antigo Testamento, in Cadernos ISTA, nº 14 (2002), pp. 47-89.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Prece
Meu Deus, aqui me tens aflito e retirado,
Como quem deixa à porta o saco para o pão.
Enche-o do que quiseres. Estou firme e preparado.
O que for, assim seja, à tua mão.
Tua vontade se faça, a minha não.
Senhor, abre ainda mais meu lado ardente,
Do flanco de teu Filho copiado.
Corre água, tempo e pus no sangue quente:
Outro bem não me é dado.
Tudo e sempre assim seja,
E não o que a alma tíbia só deseja.
Se te pedir piedade, dá-me lume a comer,
Que com pontas de fogo o pobre se adormenta.
O teu perdão de Pai ainda não pode ser,
Mas lembre-te que é fraca a alma que aguenta:
Se é possível, desvia o fel do vaso:
Se não é, beberei. Não faças caso.
Vitorino Nemésio
segunda-feira, 15 de março de 2010

Não gosto dos velhos, diz Deus, a não ser que ainda sejam garotos.
Por isso no meu Reino Eu só quero garotos, desde sempre está decretado.
Garotos curvados, garotos corcundas, garotos com rugas, garotos de barbas brancas, toda a espécie de garotos que quiserem, mas garotos, só garotos.
Não se volta atrás, está decidido: para os outros não há lugar.
Gosto dos garotinhos, diz Deus, porque neles a minha imagem ainda não se embaciou.
Não falsearam a minha semelhança, são novos, são puros, sem rasuras, sem marcas de uso.
Assim, quando suavemente sobre eles me debruço, neles me reencontro.
Gosto dos garotos, porque estão ainda a crescer, ainda estão a subir.
Estão a caminho, caminhando.
Mas a gente grande, diz Deus, já não tem ponta por onde se lhe pegue.
Não mais crescerá, não mais subirá.
Parou.
É um desastre, diz Deus, a gente grande, sempre a julgar que já chegou ao fim.
Gosto dos garotos grandes, porque ainda estão a lutar, porque ainda fazem pecados.
Não é por os fazerem, diz Deus, entendamo-nos, mas porque sabem que os fazem, e o dizem, e fazem por não fazê-los mais.
Mas a gente grande, diz Deus, não gosto dela, nunca faz mal a ninguém, não acha nada a reprovar em si mesma.
Nada lhes posso perdoar, nada têm para ser perdoado.
É de cortar o coração, diz Deus. É doloroso, pois nada disto é verdade.
Mas sobretudo, diz Deus, ah! Sobretudo gosto dos garotos por causa do olhar que eles têm. É no olhar que leio a idade deles.
No meu céu só haverá olhares de cinco anos, pois não conheço nada de mais belo que um olhar puro de garoto.
Nada disto espanta, diz Deus, habito neles e sou Eu que me debruço à janela da alma deles. Quando vós estais no caminho de um olhar puro, sou Eu, que vos sorrio através da matéria.
Mas, ao contrário, diz Deus, não conheço nada de mais triste que dois olhos apagados numa cara de garoto.
Abertas estão as janelas mas a casa está vazia.
Restam dois buracos negros e sombrios, mas já não há claridade, dois olhos, mas já não há olhar.
E fico triste à porta, e sinto frio, e espero, e bato. Que vontade de entrar…
E o outro está sozinho: o garoto.
Engorda, iça rijo e seco, envelhece. Coitado do velho! Diz Deus.
Aleluia! Aleluia! Diz Deus, abram, velhinhos!
É o vosso Deus, é o Eterno ressuscitado que vem ressuscitar o garoto que há em vós!
Vamos, depressa, chegou a hora, estou pronto a refazer-vos um belo rosto de garoto, um lindo olhar de garoto…
Pois gosto dos garotos, diz Deus, e quero ver toda a gente parecer-se com eles."

SÓ
POSSO
SE ...
Só posso rezar PAI, se demonstrar esse relacionamento com Deus no meu dia-a-dia;
Só posso rezar NOSSO, se a minha fé tem espaço para os outros e para as suas necessidades;
Só posso rezar QUE ESTAIS NOS CÉUS, se não estou apanhado pelas coisas do mundo;
Só posso rezar SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME, se me esforço com a ajuda de Deus, por ser santo;
Só posso rezar VENHA A NÓS O VOSSO REINO, se estou disposto a aceitar a Palavra de Deus como regra de vida;
Só posso rezar SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, se procuro pautar a minha vida pelos seus mandamentos;
Só posso rezar ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU, se verdadeiramente entregar-me ao serviço de Deus, aqui e agora;
Só posso rezar O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAi HOJE, se estou preparado para partilhar o que tenho com os que estão em necessidades;
Só posso rezar PERDOAI-NOS AS NOSSAS OFENSAS ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO, se estou na disposição de eliminar todo o rancor que guardo no coração para com os outros;
Só posso rezar NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO, se estou alerta para não me meter nas armadilhas.
Só posso rezar MAS LIVRAI-NOS DO MAL, se estou preparado para combater o mal na minha vida e com a minha oração;
Só posso rezar AMÉN se honestamente digo, «custe o que custar, esta é a minha forma de rezar».