« ORAÇÃO DO ABANDONO»
(Carlos de Foucauld)

«Meu Pai, a vós me abandono: fazei de mim o que quiserdes! O que de mim fizerdes, eu vos agradeço. Estou pronto para tudo, aceito tudo, contanto que a vossa vontade se faça em mim e em todas as vossas criaturas. Não quero outra coisa, meu Deus.
Entrego a minha vida em vossas mãos, eu vo-la dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração, porque eu vos amo. É para mim uma necessidade de amor dar-me, entregar-me em vossas mãos sem medida, com infinita confiança, porque sois meu Pai.»

«Lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho» Salmos 115:105

«Lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho» Salmos 115:105

sábado, 30 de janeiro de 2010

Simone Weil nasceu a 3 de Fevereiro de 1909, e morreu, num sanatório inglês, com 34 anos de idade. Foi professora, operária, sindicalista e filósofa. Espera de Deus é um livro de textos belíssimos que revela como a autora se sentia atraída por Cristo e como O esperou.
Destaco um desses textos, A Propósito do Pai Nosso, ( pág. 215)


«A Propósito do Pai Nosso

«Pai nosso, que estais nos céus».

É o nosso Pai; não há nada de real em nós que não proceda dele. Pertencemos-lhe. Ele ama-nos, visto que se ama e nós lhe pertencemos. Mas é o Pai que está nos céus. Não em qualquer outro lugar. Se cremos ter um Pai neste mundo não é ele, é um falso Deus. Não podemos dar um único passo na sua direcção. Não se caminha verticalmente. Não podemos dirigir para ele senão o nosso olhar. Não há que procurá-lo, é necessário apenas mudar a direcção do olhar. É a ele que pertence procurar-nos. Há que estar feliz por saber que ele se encontra infinitamente fora do nosso alcance. Temos assim a certeza de que o mal em nós, mesmo se submerge todo o nosso ser, não macula minimamente a pureza, a felicidade, a perfeição divinas.


«Santificado seja o Vosso nome».

Só Deus tem o poder de se nomear a si mesmo. O seu nome não é pronunciável por lábios humanos. O seu nome é a sua palavra. É o Verbo. O nome de qualquer ser é um intermediário entre o espírito humano e esse ser, a única via pela qual o espírito humano pode captar algo desse ser quando este está ausente. Deus está ausente; está nos céus. O seu nome é, para o homem, a única possibilidade de a ele aceder. É o Mediador. O homem tem acesso a este nome, sendo este todavia transcendente. Ele brilha na beleza e ordem do mundo e na luz interior da alma humana. Este nome é a própria santidade; não há santidade fora dele; não tem, portanto, de ser santificado. Ao pedir esta santificação, pedimos o que é eternamente com uma plenitude de realidade à qual não está em nosso poder acrescentar ou subtrair sequer algo de infinitamente pequeno. Pedir o que é, o que é realmente, infalivelmente, eternamente, de uma maneira completamente independente do nosso pedido, é o pedido perfeito. Não nos podemos impedir de desejar; somos desejo; mas desse desejo que nos fixa ao imaginário, ao tempo, ao egoísmo, podemos, se o fizermos passar por inteiro através desse pedido, construir uma alavanca que nos arranque do imaginário para o real, do tempo para a eternidade, e para fora da prisão do eu.


«Venha a nós o Vosso reino».

Trata-se agora de algo que deve vir, que não está presente. O reino de Deus é o Espírito Santo preenchendo por completo toda a alma das criaturas inteligentes. O Espírito sopra onde quer. Não se pode senão chamá-lo. Não é sequer necessário pensar em chamá-lo de forma especial para que desça sobre nós, ou sobre estes ou aqueloutros, ou mesmo sobre todos, mas chamá-lo pura e simplesmente; que pensar nele seja um apelo e um grito. Assim como quando se está no limite da sede, quando se está doente de sede, não se representa mais o acto de beber em relação a si mesmo nem mesmo o acto de beber em geral. Representa-se apenas a água, a água nela mesma, mas esta imagem da água é como um grito de todo o ser.


«Seja feita a Vossa vontade».

Só em relação ao passado estamos absoluta, infalivelmente certos da vontade de Deus. Todos os acontecimentos que se produzem, sejam eles quais forem, são conformes à vontade do Pai todo-poderoso. A noção de omnipotência implica-o. Também o futuro, qualquer que ele seja, uma vez realizado, ter-se-á realizado conforme a vontade de Deus. Nada podemos acrescentar ou subtrair a esta conformidade. Assim, depois de um impulso de desejo em direcção ao possível, de novo, nesta frase, pedimos o que é. Mas já não uma realidade eterna como a santidade do Verbo. Aqui o objecto do nosso pedido é o que se produz no tempo. Mas pedimos a conformidade infalível e eterna do que se produz no tempo com a vontade divina. Depois de, através do primeiro pedido, termos arrancado o desejo ao tempo para o aplicar ao eterno, e de assim o termos transformado, voltamos a pegar nesse desejo, que se tornou ele próprio, de certa forma, eterno, para o aplicar, de novo, ao tempo. O nosso desejo perfura então o tempo para encontrar, por detrás, a eternidade. É o que acontece quando sabemos fazer de todo o acontecimento realizado, seja ele qual for, um objecto de desejo. Encontra-se aí coisa completamente diferente da resignação. Mesmo a palavra «aceitação» é demasiado débil. É necessário desejar que tudo o que se produziu se tenha produzido e nada mais. Não porque o que se produziu está bem aos nossos olhos; mas porque Deus o permitiu e a obediência do curso dos acontecimentos a Deus é, por si mesma, um bem absoluto.

«Assim na Terra como no céu».

Esta associação do nosso desejo à vontade omnipotente de Deus deve estender-se às coisas espirituais. Os nossos progressos e falhanços espirituais, e os dos seres que amamos, têm uma relação com o outro mundo, mas são também acontecimentos que se produzem neste mundo, no tempo. A esse título, são detalhes no imenso mar de acontecimentos, agitados, com todo esse mar, de modo conforme à vontade de Deus. Visto que os nossos falhanços passados se produziram, devemos desejar que eles se tenham produzido. E devemos estender esse desejo ao futuro para o dia em que este se torne passado. É uma correcção necessária ao pedido que o reino de Deus venha. Devemos trocar todos os desejos pelo da vida eterna, mas devemos desejar a própria vida eterna com renúncia. É necessário não se apegar sequer ao desapego. O apego à salvação é ainda mais perigoso do que os outros. É necessário pensar na vida eterna como se pensa na água quando se morre de sede, e, ao mesmo tempo, desejar para si e para os seres queridos a privação eterna dessa água em vez do preenchimento por ela contra a vontade de Deus, se tal coisa fosse concebível.

Os três pedidos precedentes relacionam-se com as três Pessoas da Trindade, o Filho, o Espírito e o Pai, e também com as três partes do tempo, presente, futuro e passado. Os três pedidos que se seguem incidem mais directamente sobre as três partes do tempo e numa ordem diferente, presente, passado, futuro.

«Nosso pão, que é sobrenatural, dai-no-lo hoje».

Cristo é o nosso pão. Não podemos pedi-lo senão para agora. Porque ele está sempre aí, à porta da nossa alma, na qual quer entrar, mas não viola o consentimento. Se consentimos que ele entre, ele entra; assim que não o queremos mais, imediatamente se vai. Não podemos vincular hoje a nossa vontade de amanhã, fazer hoje um pacto com ele para que amanhã ele esteja em nós a despeito de nós mesmos. O nosso consentimento à sua presença é o mesmo que a sua presença. O consentimento é um acto, não pode ser senão actual. Não nos foi dada uma vontade que se possa aplicar ao futuro. Tudo o que não é eficaz na nossa vontade é imaginário. A parte eficaz da vontade é eficaz imediatamente, a sua eficácia não é distinta dela mesma. A parte eficaz da vontade não é o esforço, que se projecta para o futuro. É o consentimento, o sim do matrimónio. Um sim pronunciado no instante presente para o instante presente, mas pronunciado como uma palavra eterna, porque é o consentimento à união de Cristo com a parte eterna da nossa alma.

O pão é-nos necessário. Somos seres que retiram continuamente a sua energia do exterior, porque à medida que a recebemos esgotamo-la nos nossos esforços. Se a nossa energia não é quotidianamente renovada, ficamos sem forças e incapazes de movimento. Além do alimento propriamente dito, no sentido literal da palavra, todos os estimulantes são para nós fontes de energia. O dinheiro, a promoção, a consideração, os adornos, a celebridade, o poder, os seres amados, tudo o que introduz em nós a capacidade de agir é como pão. Se um destes apegos penetra de modo suficientemente profundo em nós, até às raízes vitais da nossa existência carnal, a privação pode deixar-nos em pedaços e mesmo fazer-nos morrer. Chama-se a isso morrer de desgosto. É como morrer de fome. Todos estes objectos de apego constituem, com o alimento propriamente dito, o pão deste mundo. Depende inteiramente das circunstâncias que este nos seja concedido ou recusado. Nada devemos pedir no que respeita às circunstâncias, senão que elas sejam conformes à vontade de Deus. Não devemos pedir o pão deste mundo.

Ele é uma energia transcendente, cuja fonte está no céu, que flui em nós assim que o desejamos. É verdadeiramente uma energia; executa acções por intermédio da nossa alma e do nosso corpo.

Devemos pedir este alimento. No momento em que o pedimos e pelo próprio facto de o pedirmos, sabemos que Deus no-lo quer dar. Não devemos suportar ficar um só dia sem ele. Porque quando as energias terrestres, submetidas à necessidade deste mundo, alimentam sozinhas os nossos actos não podemos senão fazer e pensar o mal. «Deus viu que as más acções do homem se multiplicavam sobre a terra e que o produto dos pensamentos do seu coração era única e constantemente mau». A necessidade, que nos constrange ao mal, governa tudo em nós, excepto a energia do alto no momento em que esta entra em nós. Não podemos aprovisioná-la.


«E perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoámos aos nossos devedores».

No momento de dizer estas palavras, é necessário ter já perdoado todas as dívidas. Não se trata apenas da reparação das ofensas que pensamos ter sofrido. É também o reconhecimento do bem que pensamos ter feito, e, de uma maneira completamente geral, tudo o que
esperamos da parte dos seres e das coisas, tudo o que cremos ser-nos devido, aquilo cuja ausência nos daria a impressão de termos sido frustrados. São todos os direitos que cremos que o passado nos confere sobre o futuro. Antes de mais, o direito a uma certa permanência. Quando tivemos o gozo de alguma coisa durante muito tempo, acreditamos que é nossa e que a sorte deve deixar que continuemos a gozá-la. Segue-se o direito a uma compensação por cada esforço, seja qual for a natureza do esforço, trabalho, sofrimento ou desejo. Sempre que um esforço sai de nós e que o equivalente desse esforço não regressa a nós sob a forma de um fruto visível, padecemos de um sentimento de desequilíbrio, de vazio, que nos faz crer termos sido roubados. O esforço de sofrer uma ofensa faz-nos esperar o castigo ou o pedido de desculpas de quem nos ofende, o esforço de fazer o bem faz-nos esperar o reconhecimento de quem dele é alvo; mas estes são apenas casos particulares de uma lei universal da nossa alma. Sempre que algo sai de nós, temos absoluta necessidade de que pelo menos o equivalente volte a entrar, e por termos essa necessidade, cremos ter esse direito. Os nossos devedores são todos os seres, todas as coisas, o universo inteiro. Cremos possuir crédito sobre todas as coisas. Em todos os créditos que cremos possuir, trata-se sempre de um crédito imaginário do passado sobre o futuro. É a ele que é necessário renunciar.

Ter perdoado aos nossos devedores é ter renunciado em bloco a todo o passado. Aceitar que o futuro seja ainda virgem e intacto, rigorosamente ligado ao passado por vínculos que ignoramos, mas completamente livre dos vínculos que a nossa imaginação crê impor-lhe. Aceitar a possibilidade que aconteça, e em especial que nos aconteça a nós, seja o que for, e aceitar que o dia de amanhã faça de toda a nossa vida passada uma coisa estéril e vã.

Ao renunciar, de um só golpe, a todos os frutos do passado, sem excepção, podemos pedir a Deus que os nossos pecados passados não tragam à nossa alma os seus miseráveis frutos de mal e de engano. Enquanto nos agarramos ao passado, nem mesmo Deus pode impedir em nós esta horrível frutificação. Não nos podemos prender ao passado sem nos prendermos também aos nossos crimes, porque aquilo que é mais essencialmente mau em nós é-nos desconhecido.

O principal crédito que julgamos ter sobre o universo é a continuação da nossa personalidade. Este crédito implica todos os outros. O instinto de conservação faz-nos sentir esta continuação como uma necessidade e nós julgamos que uma necessidade é um direito. Como o mendigo que dizia a Talleyrand: «Monsenhor, é necessário que eu viva» e a quem Talleyrand respondia: «Não vejo essa necessidade». A nossa personalidade depende inteiramente de circunstâncias exteriores que têm um poder ilimitado para a esmagar. Mas nós preferiríamos morrer a reconhecê-lo, O equilíbrio do mundo é, para nós, um concurso de circunstâncias em virtude do qual a nossa personalidade se mantém intacta e parece pertencer-nos. Todas as circunstâncias passadas que feriram a nossa personalidade parecem-nos rupturas de equilíbrio que devem ser infalivelmente compensadas, um dia qualquer, por fenómenos de sentido contrário. Vivemos da espera destas compensações. A aproximação iminente da morte é horrível sobretudo porque nos força a saber que essas compensações não se produzirão.

O perdão das dívidas é a renúncia à própria personalidade. Renunciar a tudo o que chamo «eu». Sem excepção alguma. Saber que naquilo a que chamo «eu» nada há, nenhum elemento psicológico, que as circunstâncias exteriores não possam fazer desaparecer. Aceitar isso. Sentir-se feliz que seja assim.

As palavras «que a tua vontade se cumpra», se pronunciadas com toda a alma, implicam esta aceitação. E por isso que podemos dizer, alguns momentos mais tarde: «Perdoámos aos nossos devedores».

O perdão das dívidas é a pobreza espiritual, a nudez espiritual, a morte. Se aceitarmos plenamente a morte, podemos pedir a Deus que nos faça reviver puros do mal que está em nós. Porque pedir-lhe o perdão das nossas dívidas é pedir-lhe que apague o mal que está em nós. O perdão é a purificação. O mal que está em nós e que aí permanece, nem mesmo Deus tem o poder de perdoar. Deus perdoou-nos as nossas dívidas quando nos pôs no estado de perfeição.

Até lá, Deus perdoa-nos as nossas dívidas parcialmente, na medida em que nós perdoamos aos nossos devedores.


«E não nos lanceis na provação,
mas protegei-nos do mal».


A única provação para o homem é ser abandonado a si mesmo no contacto com o mal. O nada do homem é então verificado experimentalmente. Mesmo que a alma tenha recebido o pão sobrenatural no momento em que o pediu, a sua alegria mescla-se de receio porque ela não pôde pedi-lo senão para o presente. O futuro permanece temível. Ela não o tem direito de pedir pão para amanhã, mas exprime o seu receio sob a forma de súplica. Ela detém-se aí. A palavra «Pai» começou a oração, a palavra «mal» termina-a. E necessário ir da confiança ao receio. Só a confiança dá suficiente força para que o receio não seja uma causa de queda. Depois de ter contemplado o nome, o reino e a vontade de Deus, depois de ter recebido o pão sobrenatural e de ter sido purificada do mal, a alma está pronta para a verdadeira humildade que coroa todas as virtudes. A humildade consiste em saber que neste mundo toda a alma, não apenas o que chamamos o eu, no seu todo, mas também a parte sobrenatural da aceitar e rejeitar, ao mesmo tempo, a possibilidade de que a parte sobrenatural da alma desapareça. Aceitá-la como acontecimento que não se produziria senão em conformidade com a vontade de Deus. Rejeitá-la como algo de horrível. É necessário ter-lhe medo; mas que o medo seja como a perfeição da confiança.



Os seis pedidos correspondem-se dois a dois. O pão transcendente é a mesma coisa que o nome divino. É o que opera o contacto do homem com Deus. O reino de Deus é a mesma coisa que a sua protecção estendida sobre nós contra o mal; proteger é uma função própria do rei. O perdão das dívidas aos nossos devedores é a mesma coisa que a aceitação total da vontade de Deus. A diferença é que, nos três primeiros pedidos, a atenção se volta apenas para Deus. Nos três últimos, fazemos voltar a atenção sobre nós próprios a fim de nos obrigarmos a fazer desses pedidos um acto real e não imaginário.

Na primeira metade da oração, começa-se pela aceitação. Depois, permite-se um desejo. Depois, corrige-se este voltando à aceitação. Na segunda metade, a ordem muda; acaba-se pela expressão do desejo. É que o desejo se tornou negativo; ele exprime-se como um receio; por conseguinte, corresponde ao mais alto grau de humildade, o que convém para terminar.

Esta oração contém todos os pedidos possíveis; não se pode conceber oração que não esteja já aí contida. Ela está para a oração como Cristo para a humanidade. É impossível pronunciá-la uma vez que seja, trazendo a cada palavra a plenitude da atenção, sem que uma mudança talvez infinitesimal, mas real, se opere na alma.»


sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Martin Luther King

«O verdadeiro altruísmo é mais do que a mera capacidade de sentir pena: é a capacidade de ser solidário. A pena pode representar mais do que a preocupação impessoal que nos leva a passar um cheque, mas a verdadeira solidariedade é a preocupação pessoal que nos ordena a entregar a nossa própria alma.

Se queres ser importante - óptimo. Se queres ser reconhecido - óptimo. Se queres ser grandioso - óptimo.... Tudo o que precisas é de um coração cheio de Graça. Uma alma gerada pelo amor.»

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Porque Ler É Preciso...


Deus e a Fé, Razões do crente e do não crente é um livro que resulta da troca de correspondência entre José Ignacio Gonzalez Faus, jesuíta, Doutorado em Teologia e Ignacio Sotoleo Doutorado em Filosofia. O primeiro o crente, o segundo o não crente.A leitura deste livro que aborda várias temáticas religiosas, vem mostrar que é possível uma convivência dialogante na abordagem do que é central na atitude quer do crente, quer não crente: a visão de Deus, de Jesus e do ser humano.

Transcrevo dois excertos...Para pensar...

«Penso que o cristianismo é uma agudização deste esquema: amor de Deus que se converte em amor ao irmão ( e sobretudo ao menos irmão). Repara bem: não digo «do qual deriva», mas «que se converte». Aqui já não há mandamento, mas equação. Mas está sempre subjacente a intuição de que a fé religiosa tem a ver com a afectividade humana, como forma, ao mesmo tempo, da sua redenção e da sua culminação verdadeira.
Um autor bíblico rezava esta oração que se pode citar pela sua brevidade e beleza e que talvez exprima algo do que quero dizer: «Senhor, o meu coração não é ambiciosos nem os meus olhos altaneiros. Não pretendo grandezas que superam a minha capacidade; pelo contrário, aquieto e modero os meus desejos, como uma criança nos braços da mãe». Evidentemente quando rezo esta oração, nunca digo que não «é», mas que não quero que seja. Mas posso assegurar-te que esta oração significa muito para mim: uma confiança última em Deus, que o salmista exprimia de modo fantástico com a imagem da criança nos braços da mãe, coloca-me num quadro global para entender que a ambição do meu coração, a altivez dos meus olhos e a imoderação dos meus desejos (aqui aparece descrito tudo o que chamei o mundo da afectividade humana) não têm razão de ser, precisamente porque têm a sua realização num lugar diferente daquele onde a nossa afectividade tende a procurá-las. A convicção de que não têm razão de ser facilita infinitamente a minha atitude para com os outros.»

José Ignacio Gonzalez Faus, pág. 26

«O que deveria ser para o crente mais inquietante é que ele guarde para si a ideia que tem de Deus. Pelo menos é o que a minha experiência me diz, e isto, sim, chama-me a atenção. Em relação a alguns colegas, com os quais até trabalhei em questões teóricas, levei anos até saber que eram crentes – não se notava no seu discurso, nem no seu comportamento. E em relação aos que sabia que eram, quando tentei solicitar a ideia que tinham de Deus, sem negarem a sua fé, evitaram sempre ir ao fundo da questão. Não sei se sou uma excepção, completamente fora deste mundo, mas no mundo em que me movo Deus não aparece a brilhar como tema de conversa e menos ainda de discussão, embora, isso sim, alguns lhe rezem e se entreguem à sua vontade. Claro que o crente menciona Deus – uns com frequência, outros raramente -, mas, falar mesmo, o que se diz falar do que entendem por Deus ou do que experienciam com Deus, isso poucos o fazem. (…) Em síntese, o tema de Deus converteu-se em tabu para a imensa maioria, crentes ou não, e, portanto, monopólio exclusivo dos profissionais, os teólogos, que são os únicos a quem se ouve falar de Deus. Mas também eles não falam do que experienciam.»

Ignacio Sotelo, pág. 80

sábado, 23 de janeiro de 2010

Abílio Rocha disse...

Olá Senhora coordenadora dos Leitoras da Paróquia de Santa Maria Maior.

Caros amigos Leitores.
Resta-me dar os sinceros parabéns à nossa coordenadora pelo excelente trabalho do conteúdo do blogue que não se limita a dar notícias, a apresentar escalas, a dar informações, ou a transcrever artigos de opinião. Todo o conteúdo do blogue lembra-nos que professamos uma religião de Amor.
Este blogue é um grande passo, é um enorme gesto, é um largo sorriso e espero que sintas uma parte da felicidade que, com este blogue, podes dar aos restantes leitores da Paróquia e não só!..
A tua subjectividade nesta criação confunde-se com a objectividade do que se pretende para chegarmos, um dia, a ser bons leitores.

Um grande, grande abraço de parabéns.

Abílio Rocha
23 de Janeiro de 2010 11:42
Os leitores da Paróquia de Santa Maria Maior reúnem-se na primeira terça-feira de cada mês. Nestes encontros, reflecte-se sobre a Palavra de Deus e faz-se leitura oral de forma a que cada leitor possa auto-corrigir-se.
Conscientes da importância na forma como é proclamada a Palavra de Deus, não podem, nem devem os leitores minimizar a importância da significação profunda dos textos que proclamam. Meros instrumentos de Deus, chamados a este serviço, têm a obrigação de não fechar a Palavra reduzindo-a a uma página. Assim, há que ter a compreensão que Deus fala em todos os momentos da vida e é na vida que a Sua Palavra deve ser visível. E a vida do homem e da mulher não é mais do que a soma de pequenos e efémeros momentos, da singeleza de gestos, de dificuldades dolorosas... sempre com-o-outro. Viver a Palavra de Deus, pô-la em prática, não será mais do que viver com o outro com-paixão. Viver a Palavra de Deus será regressar ao curral onde Jesus nasceu. O curral do desprendimento, da simplicidade, sem prestígio, poder ou tirania. Viver a Palavra de Deus será regressar à cruz onde esse Homem padeceu todas as dores para que as nossas fossem menos dolorosas porque estamos certos da existência da esperança.
Viver a Palavra de Deus é ter sempre presente Jesus, Homem Universal.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA O XVIII DIA MUNDIAL DO DOENTE 2010


MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI
PARA O XVIII DIA MUNDIAL DO DOENTE 2010

Caros irmãos e irmãs

No próximo dia 11 de Fevereiro, memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria de Lourdes, celebrar-se-á na Basílica Vaticana o XVIII Dia Mundial do Doente. A feliz coincidência com o 25º aniversário da instituição do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde constitui mais um motivo para dar graças a Deus do caminho até agora percorrido no sector da pastoral da saúde. Formulo votos de coração a fim de que esta celebração seja ocasião para um impulso apostólico mais generoso ao serviço dos enfermos e de quantos se ocupam deles.

Efectivamente, com o anual Dia Mundial do Doente a Igreja tenciona sensibilizar profundamente a comunidade eclesial a respeito da importância do serviço pastoral no vasto mundo da saúde, serviço que faz parte integrante da sua missão, uma vez que se inscreve no sulco da mesma missão salvífica de Cristo. Ele, Médico divino, "passou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo Diabo" (Act 10, 38). O sofrimento humano tem sentido e é plenamente esclarecido no mistério da Sua paixão, morte e ressurreição. Na Carta Apostólica Salvifici doloris, o Servo de Deus João Paulo II usa palavras iluminadoras a este propósito. "O sofrimento humano escreveu ele atingiu o seu vértice na paixão de Cristo; e, ao mesmo tempo, revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor... àquele amor que cria o bem, tirando-o mesmo do mal, tirando-o por meio do sofrimento, tal como o bem supremo da Redenção do mundo foi tirado da Cruz de Cristo e nela encontra perenemente o seu princípio. A Cruz de Cristo tornou-se uma fonte, da qual brotam rios de água viva" (n. 18).

Na Última Ceia, antes de voltar para o Pai, o Senhor Jesus inclinou-se para lavar os pés aos Apóstolos, antecipando o supremo acto de amor da Cruz. Com este gesto, convidou os seus discípulos a entrar na sua mesma lógica do amor que se entrega, especialmente aos mais pequeninos e aos necessitados (cf. Jo 13, 12-17). Seguindo o seu exemplo, cada cristão é chamado a reviver, em contextos diferentes e sempre novos, a parábola do bom Samaritano que, passando ao lado de um homem abandonado meio morto pelos salteadores na margem da estrada, "vendo-o, encheu-se de piedade. Aproximou-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria vontade, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo: "Trata bem dele, e o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar"" (Lc 10, 33-35).

Na conclusão da parábola, Jesus diz: "Vai, e também tu faz do mesmo modo" (Lc 10, 37). Ele dirige-se também a nós com estas palavras. Exorta-nos a inclinar-nos sobre as feridas do corpo e do espírito de muitos dos nossos irmãos e irmãs que encontramos pelas estradas do mundo; ajuda-nos a compreender que, com a graça de Deus acolhida e vivida na vida de cada dia, a experiência da enfermidade e do sofrimento pode tornar-se escola de esperança. Na verdade, como afirmei na Encíclica Spe salvi: "Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com amor infinito" (n. 37).

Já o Concílio Vaticano II evocava a importante tarefa da Igreja, de cuidar do sofrimento humano. Na Constituição dogmática Lumen gentium, lemos que "tal como Cristo... foi enviado pelo Pai "para anunciar a boa nova aos pobres, para proclamar a libertação aos cativos" (Lc 4, 18), "para procurar e salvar o que estava perdido" (Lc 19, 10), de modo semelhante a Igreja ama todos os angustiados pelo sofrimento humano, reconhece mesmo a imagem do seu Fundador, pobre e sofredor, nos pobres e nos que sofrem, esforça-se por aliviar a sua indigência e neles deseja servir a Cristo" (n. 8). Esta acção humanitária e espiritual da Comunidade eclesial para com os doentes e os sofredores, ao longo dos séculos, manifestou-se de múltiplas formas e em numerosas estruturas médicas, também de cariz institucional. Gostaria de evocar aqui aquelas que são geridas directamente pelas dioceses e as que nasceram da generosidade de vários Institutos religiosos. Trata-se de um "património" precioso, correspondente ao facto de que "o amor tem necessidade também de organização enquanto pressuposto para um serviço comunitário ordenado" (Encíclica Deus caritas est, 20). A criação do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, há vinte e cinco anos, faz parte de tal solicitude eclesial pelo mundo da saúde. E apraz-me acrescentar que, no actual momento histórico-cultural, se sente ainda mais a exigência de uma presença eclesial atenta e escrupulosa ao lado dos doentes, como também de uma presença na sociedade capaz de transmitir os valores evangélicos de maneira eficaz, em vista da salvaguarda da vida humana em cada uma das fases, desde a sua concepção até ao seu fim natural.

Gostaria de retomar aqui a Mensagem aos pobres, aos doentes e a todos aqueles que sofrem, que os Padres conciliares dirigiram ao mundo, no encerramento do Concílio Ecuménico Vaticano II: "Ó vós todos, que sentis mais duramente o peso da cruz disseram eles ...vós que chorais... vós, desconhecidos da dor, tende coragem, vós sois os preferidos do reino de Deus, que é o reino da esperança, da felicidade e da vida; vós sois os irmãos de Cristo sofredor; e com Ele, se quiserdes, salvareis o mundo!" (Ench. Vat., I, n. 523* [pág. 313]). Agradeço de coração às pessoas que, todos os dias, "desempenham o serviço em prol dos doentes e dos sofredores", fazendo com que "o apostolado da misericórdia de Deus, ao qual se dedicam, corresponda cada vez melhor às novas exigências" (João Paulo II, Constituição Apostólica Pastor bonus, art. 152).

Neste Ano sacerdotal, o meu pensamento dirige-se particularmente a vós, queridos sacerdotes, "ministros dos enfermos", sinal e instrumento da compaixão de Cristo, que deve chegar a cada homem assinalado pelo sofrimento. Estimados presbíteros, convido-vos a não vos poupardes no gesto de lhes oferecer cuidado e conforto. O tempo transcorrido ao lado de quem se encontra na prova revela-se fecundo de graça para todas as demais dimensões da pastoral. Enfim, dirijo-me a vós prezados doentes, enquanto vos peço que rezeis e ofereçais os vossos sofrimentos pelos sacerdotes, a fim de que possam manter-se fiéis à sua vocação, e o seu ministério seja rico de frutos espirituais, em benefício da Igreja inteira.

Com estes sentimentos, imploro sobre os enfermos, assim como sobre aqueles que os assistem, a salvaguarda materna de Maria, Salus Infirmorum, e a todos concedo de coração a Bênção Apostólica.

Vaticano, 22 de Novembro de 2009, Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Escalas